Peço
licença para distribuir, na escrita que segue, impressões sobre o FETEG 7º Ato
– Festival de Teatro de Guaranésia 2024. Em quase três décadas dedicando minha
vida ao teatro, muito em especial ao teatro popular, fonte de minha existência,
tomei a ríspida decisão de não participar de mostras competitivas. Fui me
abstendo, calçado por uma aura ranzinza, questionadora do sentido da competição
para o expurgo meramente egocêntrico. Participei de muitos festivais de teatro
nessa vida. Vi elencos inteiros se desfazendo em detrimento das mesmas
premiações de sempre. Melhor ator, melhor atriz, melhor isso, melhor aquilo...
Desculpem essa abertura (coisa de cinquentão chato). Mas, fui convencido pelo
elenco do nosso grupo a participar do FETEG 7º ato. Devo registrar que a pouco
tempo eu ministrava oficinas para eles, sim, fui professor do elenco. Eles
cresceram, hoje em dia, me fizeram aluno. Chegamos em Guaranésia e fomos
abordados por transeuntes perguntando se estávamos participando do festival de
teatro. A pergunta foi recorrente, desde o garçom do restaurante, até a
recepcionista do hotel em que fiquei hospedado. A comunidade se envolve com a
proposta do festival. Nossa primeira ação foi assistir a um espetáculo de
palhaços da Cia Tramp de Jundiaí, no meio da praça. No dia seguinte fui
participar da roda de conversa e ver a ponderação dos “jurados”. Ali, no inicio
das falas me armei para um debate enfadonho e cansativo. De um lado os jurados
e suas críticas e do outro o artista defendendo sua obra. Pois bem. Fui
desarmado. Nocauteado pela técnica posta nos comentários me entreguei ao afeto
íntegro e verdadeiro. Vi e vivi as colocações de cada um daquele coletivo que
se intitula Comissão Crítica Estética Pedagógica. Eles não gostam de serem
chamados jurados e repudiam a competição. Dali as obras e suas temáticas eram
incitadas às urgências discursivas dos trabalhos apresentados. O respeito veio
como valor inegociável. Puxa vida! As abordagens foram estruturadas pelo afeto
cuidadoso, sem ruído, direto e preciso. De alma aberta me vi reflexivo e atento
demais. Vivemos, a partir daí, cada segundo, ansiosos para o dia seguinte, na
expectativa de ouvir a CCEP. Sempre prontos com nosso olhar e desarmados pela
surpresa provocativa da comissão. Dessa forma, passamos, aprendemos, divagamos
nossas cenas em percepções ampliadas através de trocas. Vimos juntos o quanto a
sociedade precisa da gente (nós artistas) para sair da “Quinta geração de
medicamentos psiquiátricos”, que impõe uma “Camisa de força química”. E quem
sabe viver a plenitude existencial escorada numa “Egrégora de palhaços”.
Arrebatados
pelo sonho, vivido ali, fomos chamados a colocarmos os pés firmes no chão e
refletir sobre a realidade do “Sangue menstrual enquanto fator social de
convivência” interpelados pela seguinte questão: “E se fosse uma mulher
propondo a dramaturgia de “Medeia”? Colocando a arte como “Rompimentos de
modelos estruturantes” vibramos com o “Corpo como subterfúgio da poesia”
através da afirmativa de que “Ter uma mulher bailante no meio da praça é
deslumbrante” contrapondo o “Selo de prazo de validade” imposto pelo
patriarcado. “Mulheres maduras em cena” é um ato de resistência. Apesar do
“Momento duro e difícil. Politicamente danoso para nossa saúde mental”. Como se
o futuro repetisse o passado ficamos horrorizados ao perceber que ainda existe,
de forma subtendida, disfarçada, a condição do “Cérebro ser avaliado pelo fato
de ser de um homem negro” e que a nossa arte tem condições de escancarar e
fazer pensar sobre o racismo estrutural.
O peso
da responsabilidade cênica no exercício da atuação foi amparado, aliviado, pela
força coletiva na produção cultural. O alívio da máxima “Nós podemos tudo! Nós
podemos mais e“ Tudo que nois tem é nois” repetido exaustivamente como
grito/manifesto do produtor Maurinho Máscaras se fez valer em cada ação
complementada ali, na roda de conversa da CCEP. Como se fosse um presente da
presença desmantelando o cinza obscuro e depressivo onde “A vida na tristeza
não tem cor” apontando o caminho do que nos é desafiador enquanto artistas
tentando ser originais na concepção. “O original é o que estamos fazendo aqui e
agora”. O sim, vamos aprender juntos, nos mostrou o caminho da “A oposição como
pressuposto da dialética cênica” para uma “Vocorporiedade – voz e corpo
acontecendo em cena” na “Geração de intimidade e cumplicidade com o público” o
“Movimento de voz durante o espetáculo: Da plateia para o artista e não do
artista para a plateia”. A dispersão de várias linguagens teatrais em um só
lugar, numa roda de conversa, desafiando “O limite entre as linguagens e
fazendo perder o sentido limitador”. Contemporâneo latente no resgate da
“Ludicidade característica inerente ao humano”. “O teatro envelhece e carece de
uma dramaturgia atualizada” para um “Eixo de trabalho em favor da cosmovisão do
espetáculo” que faz aumentar e valer a “Relação cênica nos espaços a que se
propõe” e o acontecimento (teatro de rua por exemplo)”. Ver, perceber e atuar
como se “A plateia fosse agente ativo do espetáculo em um jogo de pergunta e
respostas em que a pergunta fica no ar para a plateia pensar e responder” “As vezes
um texto inteiro pode ser construído sem uma palavra e o Silêncio fala também”.
Na
minha inquietude frenética do fazer cultural me aquieto por aqui, rompendo
minha rispidez prática, me deixando levar pelo abraço fraterno e receptivo de
Maurinho Máscaras e de cada um que fez e faz parte da equipe do FETEG 7º Ato,
em especial a CCEP. Obrigado pelo aprendizado.
Paulinho
do boi - Carroça Teatral – Sete Lagoas, MG
Quintal
Boi da Manta, maio de 2024
3 comentários:
Lindeza de texto e reflexão Paulinho. E que venham muitos e muitos momentos maravilhosos como estes.
Perfeita interpretação... PARABENS vcs merecem...o FETEG merece, o Maurinho merece, GUARANESIA merece!!!
Essêncial, real, verdadeira, única e uma digna Carta de Amor das mais belas e sinceras! Parabéns Paulinho e aqueles que lhes trouxeram a ti essa inspiração! O FESTEG merece vida longa e rica de troca por muitas e muitas décadas...
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